terça-feira, 8 de abril de 2014

Sobre a memória do cheiro


Já reparou no cheiro das pessoas? Não esse de desodorante 72 horas que não sai nunca, nem do perfume caríssimo, que é bom, mas não é desse que estou falando. Pois se não reparou, repare bem. Fica mais fácil quando vc pode chegar e cheirar a pessoa do nada, sem que ela ache isso um disparate ou confunda com uma cantada. Mas perceba.
Cheiro, pra mim, tem memória. É como olhar uma foto, fechar os olhos e lembrar. É assim com meu querido, com meus dois adolescentes ainda não por motivos hormonais deles (rs), e com meus pais.
Eu ainda não identifiquei exatamente o nome do sentimento que faz a gente passar um tempo na frente do outro e só querer ouvir a voz e a risada, sem nem responder muita coisa, e mexer nas mãos, nos cabelos e deitar no ombro e sentir esse cheiro. Vai me dizer que é amor? É sim, mas tem também um pouco de saudade nisso tudo. Como se a gente quisesse ficar com aquilo ali, a vida toda. Não trata de amor, desse que a gente se joga, e se perde, mas do entendimento, do princípio que move a gente a amar alguém. Isso, ainda, não inventaram um nome.
Pois eu estava final de semana com meus pais. Hoje moro longe deles, mais dele do que dela. Quando vejo um, raramente vejo o outro. Mas no último final de semana, vi ambos. E fiz esse exercício de contemplação e só percebi que tava demais quando ela me fez uma pergunta eu nem sabia o que responder, daí ri e fiz que sim. Olhei tudo tim-tim por tim-tim, os cabelos brancos, a pele enrugada e o cheiro, o cheiro que mistura um pouco de capim –limão e baunilha. Um cheiro meio de bolo, de casa limpa, sabe como é? E eu ri porque lembro desse cheiro ser assim desde quando era criança.
Meu pai, vejo menos. Fiz algo que desejava há anos. Me joguei sobre ele enquanto dormia, e ele riu. Deitei minha cabeça nele e senti um cheiro de mato, de pele morena, suave e meio triste...cheiro pode ser triste? Pode não. Mas era manso, um cheiro de livro antigo, sem mofo. Como aqueles livros de capa dura cheiravam. E me deu alegria, porque lembrei do dia quando era pequena, tava com um vestido vermelho e ele me rodopiava dando risada. E naquele momento ali...eu queria guardar num frasco, mais que na memória, mais que no coração.Tem jeito?