segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sobre deixar os discos voadores irem embora sem mim


Ela, na fila para entrar na nave-mãe, na companhia de outras 50 mulheres, lotava uma sala toda branca, onde havia duas portas. Ainda sem saber ao certo porque havia entrado naquela onda, olha para os lados. Percebe a euforia delas, “vamos voltar para casa, finalmente”, dizem umas. Outras, apenas esboçam alegria ao juntar as mãos perto do rosto. 
Era uma viagem sem volta, num futuro próximo onde as mulheres poderiam escolher sobre sua permanência na terra. Tomariam, em seguida, passando para o outro bloco, um comprimido de cianureto e seriam imediatamente despachadas para o planeta respectivo. Toda aquela sensação inútil, de pertencer a outro lugar, finalmente acabaria, pensou quando se inscreveu. Não esperava ser escolhida. Sentia-se diferente, incomodada. Foi aceita. Agora estava lá sentada, aguardando na fila para dar cabo da própria vida e recomeçar no maravilhoso planeta B-512, PluctiPlactiZum, não sabia. Fugira de casa sem avisar ninguém. `Quando soubessem, já seria tarde`, refez o clichê. Pensou nas aventuras que viveria em outro planeta, da liberdade, da loucura entendida pelas amigas, a mania de querer o impossível, sem protetor na cara, sem hora pra voltar.
O coração titubeava, ora pensando nas aventuras, ora nos filhos que deixara. “Ele vai dar conta de tudo, nem sentirão minha falta”, pensou e falou baixinho para si, quase como uma oração, pensando no marido.
Escutou a porta da frente abrir e viu um homem  de branco entrar; “Vocês nos escolheram e nós escolhemos vcs para iniciar um novo mundo”, disse. E ela quase gritando lá do fundo pensou; “ adeus piriris, segundas-feiras, finais de semana na redação, contas do cartão...” e quando ia pensar em achar outro motivo para embarcar no balão azul, ouviu a porta dos fundos abrir. Entra o caçula, estranhando aquele bando de mulheres assanhadas pela mudança. Encontra a mãe, com cara de quase pânico....
“Ô mãe, o que vc tá fazendo aqui?"
"Que é isso?"
 "Vamo embora”
As outras mulheres da sala começam a se entreolhar...
Ela, sem jeito, pega o guri pelas mãos, respira tensa e sai da fila com o rosto já vermelho.
“O que vc tá fazendo aqui, filho? Vai embora, vai”
“Não dá mãe, o pai esqueceu a chave de casa com vc”
“Jesus...”
Com sorriso amarelo vira-se para bolsa, vasculha com as pontas dos dedos, acha a chave.
“Toma, vai lá. Mas filho, vem aqui, me dá um abraço”. Ele volta sem entender muito e abraça a mãe e lança um olhar comprido...
“Mãe, que horas a gente vem buscar vc?”.
(minuto de silêncio)
Ela olha pra ele, olha para o resto da sala e diz: “Não precisa, eu vou já”, diz baixinho, e virando-se para o grupo fala em tom de discurso ; “gente agradeço o convite, não vai dar pra mim hoje...sem cianureto, nem nave. Vou na próxima”. E repete para a amiga do lado quando está quase saindo; “Me liga”, fazendo sinal com uma das mãos.
Um clima de quase tensão invade a sala. Ao sair sentiu vergonha e alívio, não sabia o que era mais forte. Deixou para trás, quase 70 mulheres, e enquanto sacudia as mãos com o pequeno de braço dado, lembrou do fim do mundo, achou que podiam recomeçar sem ela...deu risada novamente, dessa vez sem medo. Já era hora do almoço.