Era uma viagem sem volta, num futuro próximo onde as
mulheres poderiam escolher sobre sua permanência na terra. Tomariam, em seguida,
passando para o outro bloco, um comprimido de cianureto e seriam imediatamente
despachadas para o planeta respectivo. Toda aquela sensação inútil, de
pertencer a outro lugar, finalmente acabaria, pensou quando se inscreveu. Não
esperava ser escolhida. Sentia-se diferente, incomodada. Foi aceita. Agora
estava lá sentada, aguardando na fila para dar cabo da própria vida e recomeçar
no maravilhoso planeta B-512, PluctiPlactiZum, não sabia. Fugira de casa sem
avisar ninguém. `Quando soubessem, já seria tarde`, refez o clichê. Pensou nas aventuras que
viveria em outro planeta, da liberdade, da loucura entendida pelas amigas, a
mania de querer o impossível, sem protetor na cara, sem hora pra voltar.
O coração titubeava, ora pensando nas aventuras, ora nos
filhos que deixara. “Ele vai dar conta de tudo, nem sentirão minha falta”,
pensou e falou baixinho para si, quase como uma oração, pensando no marido.
Escutou a porta da frente abrir e viu um homem de branco entrar; “Vocês nos escolheram e nós
escolhemos vcs para iniciar um novo mundo”, disse. E ela quase gritando lá do
fundo pensou; “ adeus piriris, segundas-feiras, finais de semana na redação,
contas do cartão...” e quando ia pensar em achar outro motivo para embarcar no
balão azul, ouviu a porta dos fundos abrir. Entra o caçula, estranhando aquele
bando de mulheres assanhadas pela mudança. Encontra a mãe, com cara de quase pânico....
“Ô mãe, o que vc tá fazendo aqui?"
"Que é isso?"
"Vamo embora”
As outras mulheres da sala começam a se entreolhar...
Ela, sem jeito, pega o guri pelas mãos, respira tensa e
sai da fila com o rosto já vermelho.
“O que vc tá fazendo aqui, filho? Vai embora, vai”
“Não dá mãe, o pai esqueceu a chave de casa com vc”
“Jesus...”
Com sorriso amarelo vira-se para bolsa, vasculha com as
pontas dos dedos, acha a chave.
“Toma, vai lá. Mas filho, vem aqui, me dá um abraço”. Ele
volta sem entender muito e abraça a mãe e lança um olhar comprido...
“Mãe, que horas a gente vem buscar vc?”.
(minuto de silêncio)
Ela olha pra ele, olha para o resto da sala e diz: “Não
precisa, eu vou já”, diz baixinho, e virando-se para o grupo fala em tom de discurso ; “gente agradeço o convite,
não vai dar pra mim hoje...sem cianureto, nem nave. Vou na próxima”. E repete
para a amiga do lado quando está quase saindo; “Me liga”, fazendo sinal com uma das mãos.
Um clima de quase tensão invade a sala. Ao sair sentiu
vergonha e alívio, não sabia o que era mais forte. Deixou para trás, quase 70
mulheres, e enquanto sacudia as mãos com o pequeno de braço dado, lembrou do fim do mundo, achou que podiam recomeçar sem ela...deu
risada novamente, dessa vez sem medo. Já era hora do almoço.